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chegou. na boca trazia o sabor do leite materno.
para trás, sem lembrança, deixou as terras pintadas a branco e verde das beiras.
fez de lisboa a sua cidade. regaço onde lhe cresceram as pernas e as mãos. tomou-a nos braços, como quem descobre os segredos de um corpo e o faz seu...
sabia de cada pedra, de cada história e mistério.chorou ao som dos acordeons e das guitarras; dos fados arrastados nas horas de saudade e magoa.
no seu olhar voavam asas de gaivotas e o ondear espreguiçado do tejo; as saias leves que baloiçavam promessas vagas, as faces coloridas que enchiam as sombras da noite.
pontualmente, ao fim da tarde, buscava o aconchego quente e macio dos cafés. o cheiro torrado e negro, o voltear dos vultos e o abandono das conversas em surdina.
distanciava então o olhar. voltado para dentro de si e num sorriso imperceptível, perdia-se nos seus pensamentos.
dele, herdei esse ar fechado e melancólico. esse jeito de olhar as pessoas atrás do silencio. rir e chorar a vida sem que aparentemente me misturasse com ela. esconder a dor na bainha da alma e as lágrimas num pudor contido.
morreu calado e discreto na sua elegância simples e sóbria. morreu sem nunca ter perdido o vinco das calças. o nó da gravata cuidadosamente escolhida, o chapéu impecavelmente colocado.
livre e fiel a si próprio.
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