para que as aves não esqueçam o voo... e as árvores não deixem de anunciar a primavera...

Seguidores

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010


reflexões


em casa de adultos, a criança solitária, vive um mundo de silêncios.
perdida, entre pernas apressadas, ela parece invisível e sem lugar.
apesar dos dias monocórdicos e dos natais pouco coloridos, repetia anualmente o mesmo ritual.
pé ante pé... deixava o pequeno sapato na chaminé.
uma manhã, os olhos abriram-se e brilharam de forma diferente. uma caixa imensa... quase do seu tamanho, estava no seu sapato.
incrédula, esfregou os olhos para certificar-se que estava acordada. os dedos tremiam tanto que não era capaz de desfazer o embrulho.
ajudada, viu com espanto aquela linda boneca! sorria... era de porcelana.
pegou-lhe a medo com seus dedos frágeis. depois, para que se não partisse, colocou-a num lugar seguro.
todos os dias ficava muda e quieta diante do seu tesouro...

a menina fez-se mulher. a pele menos lisa falava dos caminhos percorridos e dos sonhos que deixara secar.
um dia recordou a velha boneca de porcelana. entendeu então:
a ela. tal como a alguns afectos ilimitados e sublimes, tinha erguido um altar intocável de contemplação silenciosa.
***

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

**



sedenta de azul a árvore estendeu-se para o céu

no aconchego dos seus ramos os pássaros adormeceram.

todas as noites crescia uma melodia.

em toques suaves, penas e folhas, soltavam-se em cordas de música.

pequenas explosões de brilho verde cresciam embalançadas nos seus braços.

a água lentamente lambia-lhe as raízes.

sulcava a terra. burilava as pedras.

na força insubmissa dos seus dedos inundou caminhos. fez-se rio. corrente. foz.

mar de vigorosas vagas. rebentação...

lábios branqueados pelo sol que se perderam na areia ardente e sequiosa.
**

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

**


numa praia minguada de água
secara-lhe a cor. a textura. a forma.
estilhaço inútil. sobra sem sentido...

soltei a areia. o sal.
alisei as dobras. as mágoas.
com tempo de vagar e cuidado
em filigrana de ouro fino fiz um laço.
deixei-o preso nos teus sonhos...

quando acordaste
o mar saía de mansinho da tua cama de seda
na renda que o vestia
pequenas estrelas de luz verde cintilavam.
***

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

**


às vezes parto.silenciosamente.
tão silenciosamente que as sombras ficam para trás...
levo um olhar.uma palavra.um sorriso.
um gesto que ninguém mais viu.
levo a curva desenhada de um seio.
um beijo suspenso na boca.
um sonho que agasalhei da noite.

parto
para recuperar uma estrela.
volto
para acordar o sol e segredar-lhe que já é manhã.
***

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

**


os pássaros voam ao entardecer

quando o sol é manto sobre as águas

os peixes bordam escamas no dançar das ondas

e o sal seca nos mastros dos navios.

nem o ouro das espigas ou o aconchego do feno são sede ou alimento.

só a brisa ao espreguiçar os braços sob as suas penas

sabe o mudo estremecer do desassossego.


os pássaros voam na cordilheira das nuvens

porque é seu o sonho recortado a prata onde a lua adormeceu.
**

domingo, 1 de agosto de 2010

**



empurrei a janela. entrei de mansinho...

como música antiga. profecia. ou lenda esquecida.

no fundo do teu, meu olhar se perdeu...

como água dançante que lambe nas rochas segredos e história.

decifra sinais e bebe na sua a magoa escondida.

como vento mordido na força de ser

bate com força! surpreso... amarra-se ao cais.


cai o silêncio. a noite. as estrelas

e quando amanhece e o sol se rasga.

há mãos enlaçadas. e o meu olhar continua preso no teu.
**

domingo, 27 de junho de 2010

**

as palavras dançam leves em espaços de silêncio

voam. como notas musicais nas cordas finas da alma.

artesãs solitárias. soltam emoções.

burilam sentimentos que se inscrevem no ouro intemporal das pedras.


____________________________________P A R A B É N S!!!_________________









**

sábado, 5 de junho de 2010

**

é no olhar dos pássaros que adormece a memória da terra.
fruto alimentício e breve. moldável e sulfúrico.
as penas de sal e mar embalam a carícia da água. o canto franjado das ondas.
o enleio macio da espuma - sabor a verão a derramar-se em cor.
o desafio nasce nas asas. no apelo silente do ar.
no voltear em que se erguem acima das árvores e das nuvens.
o coração
rasga a teia bordada a seda. cinza e lava.
e solta-se em pérolas incandescentes com dentes de pele e chama.
**

segunda-feira, 17 de maio de 2010


fiz-me asa

tracei um mapa de viagens

desdobrei o vestido onde te guardara em segredo

na porta onde desfiei o tempo. soltei uma a uma pétalas para te oferecer.

passaste...

levavas outros passos desenhados no olhar

e o efémero perfume de um fruto que se desfazia nos teus dedos
**

sábado, 8 de maio de 2010


à noite

os campos de trigo são deuses silenciosos. mãos longas e generosas.

esvoaçam enlaçados pelo vento no céu azul e prata.

vestem as nuvens de estrelas

e cantam baixinho segredos que o luar escreve a tinta branca.

no dorso dourado das espigas a lua costura o véu onde se esconde dos dias.

escamas verdes atravessam a pele dos homens

em olhos laminados de espera e fome.
**

quinta-feira, 4 de março de 2010

**


na toalha de linho onde demoro os dedos
o fio esvoaça e a língua é chama.
oiço a água. dança. onde a brisa é curva. rosa e cheiro.
da terra golpeada e sangue ardido
volto tecida de verde. lume. gosto de noite.
sobra de lençol em leito humedecido.
e tal como a lua e noite se aquietam no abraço
em linhas de mil cores, tons, nuances.
em alinhavos, pontos, laços.
faço-me favo, casulo, vela e asa.


**

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

**


_______________________sementes que o tempo não apaga nem mata.

o silêncio cristaliza a palavra.
desce as pálpebras à noite e desafia o infinito.
voo incandescente. dança rítmica, humosa e livre.
labareda de fogo ou fio de água, a lamber a terra e o barro.
barómetro invisível dos sentidos.
artérias abertas
em ruas de passos afoitos, entre sombras e enigmas.
indecifrável tempo. em que olhares amarrotados e perdidos,
entre vestes coçadas e minguadas, esbarram ainda, nas espigas do sonho.
é então, que a melodia se solta. entre cordas e dedos. flutuam num compasso perfeito.
acordes que despertam o sono da terra e os lábios dos pássaros alucinados de verde e mar.transfiguram a luz do amanhecer num cais de cambraia e prata.


_______________________________________________________**

sábado, 9 de janeiro de 2010


___________________________________________OBRIGADA. foto de Luisa Vale
(http://luisavale-fotografia.blogspot.com)

no peitoril onde a chuva se quedara adormecida.


o dia amanheceu.


mansa e silenciosamente.


dourou e coloriu as gotas lá esquecidas.


no colo de vento e rocha fria. minúsculas sementes estenderam braços inseguros.


rasgaram a terra de sangue e magoa ressequida.


em recorte de brilho aveludado pequenas folhas pestanejaram ainda ensonadas.


olharam o céu. calmo. azul e infinito.


e nos seus lábios desenhou-se um sorriso agradecido.


**


Chove no país das fadas...

e até as árvores se esqueceram de anunciar a primavera!...


Acerca de mim

A minha foto
procura de um sentido... .-.-.-.-.-.-.-.-.-.-. "em cada um de nós há um segredo, uma paisagem interior com planícies invioláveis, vales de silêncio e paraísos secretos" --A. Saint-Exupéry--